Para Terceira Turma, contrato de mútuo com juros acima de níveis predefinidos, por si só, não é abusivo

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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, em contratos de mútuo bancário, o fato de a taxa de juros remuneratórios ser superior a determinado patamar – como uma vez e meia, o dobro ou o triplo da taxa média de mercado –, por si só, não configura abusividade.

Com esse entendimento, o colegiado determinou o retorno de um processo ao juízo de primeiro grau para reanálise do contrato a partir de suas peculiaridades.

O caso teve início quando um cliente ajuizou ação contra o banco para questionar supostas práticas abusivas. Na sentença, o juiz declarou inválida a cobrança de juros capitalizados mensalmente, considerou indevida a cobrança de juros não pactuados acima da taxa média de mercado e ordenou a devolução do excesso cobrado fora dos parâmetros estabelecidos anteriormente (ou seu abatimento de eventual saldo devedor).

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) acolheu a apelação do banco ao considerar que as taxas cobradas não excediam significativamente a média do mercado, motivo pelo qual deveriam ser mantidas. A decisão motivou a interposição do recurso ao STJ, com a alegação de que não houve acordo sobre a capitalização mensal e que os juros seriam superiores a uma vez e meia, ao dobro ou ao triplo da taxa média de mercado, valores já utilizados pela jurisprudência como referencial para verificar abuso em contrato.

Juros podem ser revistos, desde que demonstrado o abuso

Segundo a relatora na Terceira Turma, ministra Nancy Andrighi, o TJPA demonstrou a existência de pactuação de juros superiores a 12 vezes a taxa mensal, condição que autorizaria a capitalização mensal. No entanto, ela lembrou que averiguar as circunstâncias do acordo exigiria a reanálise de provas e do contrato, procedimentos vedados pela Súmula 5 e pela Súmula 7 do STJ.

“Ademais, esta Corte Superior perfilha o entendimento de que a previsão, no contrato bancário, de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”, completou.

Em relação ao possível abuso na cobrança de juros, a ministra esclareceu que, em regra, o Sistema Financeiro Nacional privilegia a liberdade de pactuação. Com isso, as instituições financeiras não se sujeitam, por exemplo, à limitação dos juros remuneratórios definida na Lei de Usura (Decreto 22.626/1933), e a simples estipulação de juros superiores a 12% ao ano não indica necessariamente a ocorrência de comportamento abusivo.

Por outro lado, Nancy Andrighi observou que o STJ já definiu, ao julgar o REsp 1.061.530, que as taxas de juros remuneratórios admitem revisão em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que o abuso seja cabalmente atestado.

Reconhecida a abusividade, de acordo com a ministra, “deve ser aplicada a taxa média para as operações equivalentes, segundo apurado pelo Banco Central do Brasil, sem afastar, todavia, a possibilidade de o juiz, de acordo com o seu livre convencimento motivado, indicar outro patamar mais adequado para os juros remuneratórios, segundo as circunstâncias particulares de risco envolvidas no empréstimo”.

Justiça deve analisar particularidades de cada operação de crédito

A relatora alertou para a existência de precedentes que consideram abusivas taxas superiores a uma vez e meia, ao dobro ou ao triplo da média de mercado, o que estimula a interposição de recursos com essa tese e influencia a posição dos tribunais estaduais. Na prática, segundo ela, está havendo, pelos diversos órgãos jurisdicionais do país, um tabelamento de juros – que o STJ julgou inadequado – com percentuais diferentes e “sem consideração das peculiaridades de cada operação de crédito”.

Ressaltou, ainda, que a Terceira Turma, no julgamento do REsp 2.009.614, fixou o entendimento de que devem ser observados os seguintes requisitos para a revisão das taxas de juros remuneratórios: a) a caracterização de relação de consumo; b) a presença de abusividade capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada; e c) a demonstração cabal, com menção expressa às peculiaridades da hipótese concreta, da abusividade verificada, levando-se em consideração, entre outros fatores, a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos, o risco envolvido na operação, o relacionamento mantido com o banco e as garantias ofertadas.

Em relação ao caso concreto, Nancy Andrighi finalizou o voto destacando que o acórdão impugnado não considerou suas peculiaridades, o que impõe a necessidade de retorno dos autos à origem para que eventual abuso nos juros seja apurado de acordo com a jurisprudência do STJ.

Leia o acórdão do REsp 2.015.514.

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