Especialistas discutem causas e formas de controlar o superendividamento

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O secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), juiz Ricardo Fioreze, afirmou que o controle do superendividamento depende da conjugação de várias estratégias, de diferentes naturezas: jurídica, pedagógica, psicológica e econômico-social. O secretário integra o grupo de trabalho que idealizou o seminário sobre superendividamento do consumidor que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) promoverá no próximo dia 30.

O seminário O Tratamento do Consumidor Superendividado à Luz da Lei 14.181/2021: da trajetória legislativa à sua efetivação será realizado no auditório externo do tribunal, das 9h às 17h15, e poderá ser acompanhado pelo YouTube.

Segundo Fioreze, as estratégias para o tratamento do problema devem visar, conforme a cartilha sobre superendividamento do consumidor editada pelo CNJ: “a) garantir a informação e os esclarecimentos específicos que a concessão de crédito e a compra a prazo exigem; b) analisar as ações de marketing e evitar o assédio de incentivo ao consumo; e c) assegurar a cooperação e o cuidado com os consumidores leigos, por intermédio da aplicação de normas que combatam as práticas comerciais abusivas e as fraudes, o aproveitamento da fraqueza e da vulnerabilidade do consumidor”.

Lei 14.181/2021 quer instaurar cultura de concessão de crédito responsável

A professora Cláudia Lima (UFRGS), uma das coordenadoras científicas do seminário, declarou que o controle do superendividamento no Brasil depende de uma mudança na cultura do pagamento e na cultura da concessão de crédito – que, atualmente, visa ter cada vez mais clientes, pouco importando se determinado cliente vai conseguir pagar sua dívida. Para a professora, a concessão do crédito deve levar em conta qual é o melhor crédito para o consumidor, e não para o banco ou o intermediário.

Cláudia Lima avaliou que “a Lei 14.181/2021 quer mudar essa cultura para uma cultura de concessão responsável do crédito”, isto é, uma concessão informada, com entrega antecipada de cópia do contrato para que o cliente tenha tempo de ver com a sua família qual é a melhor opção em cada circunstância específica.

Leia também: O fenômeno do superendividamento e seu reflexo na jurisprudência

Outra coordenadora científica do evento, a professora Juliana Loss (FGV), comentou que, justamente nesse sentido, ao tratar da proteção do consumidor superendividado na Lei 14.181/2021, o legislador previu, por exemplo, ações direcionadas à educação financeira dos consumidores, garantia de práticas de crédito responsável e de ##prevenção## e tratamento de situações de superendividamento.

“É também com esse olhar que o grupo de trabalho formado pelo Conselho Nacional de Justiça discute, monitora e incentiva o oferecimento de serviços pelos tribunais e instituições parceiras relacionados à educação financeira, planejamento e negociação de dívidas, de modo a prevenir e reduzir os litígios relacionados ao tema”, disse a professora da FGV.

Superendividamento tem relação direta com os padrões de consumo da sociedade

O professor Anderson Schreiber (UERJ), que também será coordenador científico do seminário sobre superendividamento, apontou que “a publicidade massiva, a oferta de crédito on-line, a facilitação da compra de produtos e da aquisição de serviços por meio da internet e por aplicativos em celular, a captura de dados pessoais para ofertas personalizadas, tudo isso estimula o consumo por uma população que, em sua maioria, sofre com baixos níveis de renda, escassa educação financeira e necessidades muito imediatas. O reflexo natural disso é o aumento dos níveis de endividamento dos brasileiros”.

A professora Cláudia Lima acrescentou que, além dos hábitos modernos, os acidentes da vida, que aumentaram durante a pandemia da Covid-19, também têm grande responsabilidade pelo crescimento do superendividamento.

“O crédito excessivo e as fraudes na contratação de crédito podem ser consideradas causas do superendividamento, mas eu acredito que o superendividamento recente, no Brasil, se deve à crise financeira causada pela Covid-19 e ao aumento dos acidentes da vida, principalmente morte e doença na família, desemprego, redução de renda e divórcios, que desequilibraram a família brasileira”, declarou Cláudia.

Cenário internacional traz lições para o Brasil em relação ao superendividamento

O secretário do CNJ e os coordenadores científicos do seminário ressaltaram que, no cenário internacional, os países tentam controlar o superendividamento de diferentes maneiras. Ricardo Fioreze destacou, por exemplo, que os Estados Unidos e a França contam com leis que estabelecem duas alternativas para o tratamento do superendividamento da pessoa natural: concessão de perdão, parcial ou total, de dívidas que vão além da capacidade de pagamento apresentada pelo devedor; e meios de renegociação de dívidas.

Para Juliana Loss, a proteção ao consumidor no Brasil tem destaque internacional. “O país é o único no Mercosul que conta com uma legislação protetiva do superendividado. O modelo norte-americano de proteção ao superendividado inspirou o legislador brasileiro na criação de caminhos que pudessem permitir ao consumidor um recomeço, com a renegociação de seus débitos”, afirmou.

Já a professora Cláudia Lima entende que o cenário internacional traz lições para o Brasil em relação ao superendividamento. A professora da UFRGS citou dois instrumentos utilizados na Europa, os quais ela acredita que, se aplicados no Brasil, ajudariam no controle e na ##prevenção## do superendividamento: o crédito responsável e o direito de arrependimento do crédito.

É necessário continuar a atualização das leis

Anderson Schreiber lembrou que o Brasil conta, há quase 20 anos, com uma lei que protege empresas em situação de crise econômica e financeira (Lei 11.101/2005), e um dos principais argumentos que se ouve em defesa dessa legislação é que permitir a recuperação das empresas preserva empregos.

“Quando, porém, era o empregado que se via superendividado, aí o sistema jurídico o tratava como um caloteiro, não se preocupando com a sua recuperação econômica. A lei do superendividamento veio corrigir isso, e não fez mais do que trazer para o campo das pessoas naturais algo que já existia, há muitos anos, para as empresas. Ao lado disso, naturalmente, a legislação sempre pode e deve ser aprimorada”, argumentou o professor da UERJ.

Schreiber e Cláudia Lima alertaram, também, sobre a necessidade de correção do artigo 3º do Decreto 11.150/2022, que estabelece como mínimo existencial a renda mensal do consumidor equivalente a 25% do salário mínimo vigente na data de publicação da norma.

“Tal percentual corresponde à quantia de R$ 303,00, valor que, de acordo com a Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos (Anadep), não permite a compra de uma cesta básica. O decreto acaba por esvaziar a lei nesse particular”, advertiu Anderson Schreiber.

Seminário busca compartilhar experiências e debater efeitos da nova lei

O seminário O Tratamento do Consumidor Superendividado à Luz da Lei 14.181/2021: da trajetória legislativa à sua efetivação pretende estimular a reflexão sobre os procedimentos trazidos com a mudança legislativa, mediante o compartilhamento de vivências e de projetos já existentes, além de promover o debate acerca de algumas questões sensíveis da nova lei.

As inscrições para o evento podem ser feitas por meio de formulário eletrônico, conforme o interesse em participar de forma presencial ou virtual

Veja a programação completa.

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